Nove-Dedos sacode o coreto via rede

A entrevista do Nove-Dedos para blogueiros de esquerda causou uma certa comoção semana passada, mas não pelo motivo que foi apontado pelos coleguinhas. Um bom exemplo dessa confusão foi a coluna de Cláudia Safatle, na edição de sexta-feira do Valor. Ela disse que a entrevista fora um retrocesso por falar da regulação da mídia e que a defesa dessa bandeira pelo N-D havia deixado de boca aberta alguns empresários graúdos da Fiesp, que acreditavam ser ela desfraldada por um ou dois assessores de Dilmão. “Mas ela é do Lula!”, teriam exclamado os poderosos senhores, espantados.

“Ma como?”, diria aquele arquetípico italiano do Bixiga. Afinal, em 2004 – ou seja, no início de sua escalada rumo ao olimpo dos mitos nacionais -, N-D tentara emplacar o Conselho Nacional de Jornalismo, a nossa versão dos conselhos que existem em todas as categorias profissionais que se dão ao respeito. A ideia foi destruída por um fogo de barragem dos barões de mídia, que, a partir daí, lhe votaram ódio imorredouro (a resposta foi o tal do mensalão, que começou em 2005 e se estende até hoje). Mais para o fim do governo, Franklin Martins, o capa-preta da Comunicação do Planalto, deixou pronta e divulgada uma proposta para a regulação, baseada nas que existem em países profundamente autoritários como sabemos que são a Inglaterra, os Estados Unidos e a França (posteriormente o trabalho foi engavetado por Dilmão, em mais um deu seus inúmeros erros políticos) – alguém aí acredita que Franklin teria montado e dado a conhecer a proposta sem o bênção de N-D?

Assim, o problema com a entrevista não foi o seu conteúdo, até porque o que ele disse – basicamente, que a mídia tradicional manipula informações para atacar petistas e proteger o PSDB e, agora, Dudu Campos – não é novidade para ninguém de tão óbvio. A questão foi, mcluhanianamente, o meio usado para divulgá-lo. Ao falar para blogueiros, Nove-Dedos indicou que a internet será o campo de batalha preferencial do PT na guerra eleitoral total que se avizinha, de modo a contornar os ataques da mídia tradicional e desmoralizá-la ainda mais (se bem que, nesse caso, será difícil fazer um trabalho melhor do que o já efetuado pelos coleguinhas que trabalham nela). Isso é o que incomodou os barões e, claro, seus coleguinhas amestrados.

Outro problema é que, ao dar a entrevista e escolher o campo em que pretende mandar a partida eleitoral, Nove-Dedos deve atrair os outros candidatos para a mesma arena. Afinal, o cara é o maior líder politico do país dos últimos 50 anos e Aécio e Dudu Campos não podem simplesmente ignorar a presença dele num espaço tão importante. Assim, mesmo entre aqueles que lhe são caros, os veículos de comunicação tendem a perder força política – e eles não estão em condições de ceder mais nenhum centigrama de seu peso político, tão mirrados já estão.

A reação dos barões não se fez esperar. Já existem pesquisas, feitas por grandes agências de comunicação e RP, que têm por objetivo claro opor a credibilidade dos meios tradicionais versus a falta dela na internet. Essa abordagem tem dois problemas. O primeiro é que usada há anos e, até o momento, não surtiu grande efeito pelo simples fato de que qualquer internauta de 10 anos sabe que não se deve acreditar em tudo o que se lê na Rede (teve até campanha sobre isso no desenho Phineas&Ferb há uns anos).

O segundo é que não ataca o centro da questão – a crescente falta de credibilidade dos meios de comunicação tradicionais. Com a prática de separar o joio do trigo informacional na internet, as pessoas passaram a usar o que aprenderam também na sua relação com os MCTs e começaram a ver que eles não são assim tão diferentes da Rede – mais sutis e habilidosos, até por contarem com profissionais muitas vezes experientes e talentosos, mas, no fundo, iguais na manipulação da informação.

Nó no Planalto

O coleguinha Thomas Traumann entrou numa bruta encrenca. Pelo que se lê nos jornais (o que nem sempre é confiável, bem sabemos), ele substitui a também coleguinha Helena Chagas na Secretaria de Comunicação da Presidência da República para melhorar a relação com os grandes veículos de comunicação e atender aos reclamos do PT, que defende mais verbas para a mídia alternativa e regional, além de mais decisão na defesa do governo, sempre atacado pela mídia grande. Ou seja, o ex-porta-voz da Presidência foi escalado para a fazer a coisa e seu contrário.

O nó na relação de qualquer governo com qualquer veículo de comunicação no Brasil é e sempre foi um só: a grana da publicidade. O governo federal é um dos maiores anunciantes do país – contando os anúncios institucionais e os de empresas e autarquias ligadas a ele, a verba chega, hoje, a cerca de R$ 2,6 bilhões. Só a Secom tem R$ 150 milhões para usar (a lista, com os respectivos “budgets”, divulgada pela própria Secretaria, está aqui e aqui a lista dos maiores anunciantes no primeiro semestre de 2013). Assim, a savana toda fica de olho para onde este leão vai se mexer a fim de saber para que lado correr.

Até 2002, reinava calma entre a bicharada. Todo mundo sabia para que lado o leão ia – para junto dos grandes veículos de comunicação do eixo São Paulo-Rio-BSB. A situação foi mantida ainda durante uns anos do governo Lula, mas aí houve duas constatações:

1.Os veículos recebiam a grana de sempre, mas não mantinham o freio de mão puxado nas redações, como era praxe, e as deixavam bater a valer no governo;
2.A internet emergiu com força como mídia, tornando-se relevante e, portanto, apta a receber mais dinheiro.

Diante deste quadro, os governistas, mais fortemente a partir do segundo governo Lula, passaram a tirar a grana do pessoal de mídia impressa do Eixo RJ-SP-BSB , passando-a para os veículos regionais e da internet. Adivinhe o que aconteceu? Pois é. Os leões começaram a urrar uma barbaridade – junto com alguns publicitários -, dizendo que o governo abandonara os “critérios técnicos” na distribuição da verba publicitária.

“Que critérios técnicos são esses?”, perguntará você Os veículos responderiam com um palavreado bacana, mas, basicamente, quer dizer que quem tem mais audiência leva mais verba publicitária do que quem tem menos. Parece um critério razoável, só que provoca distorções – levado do pé da letra, tal critério faria com que, entre os jornais, o mais aquinhoado seria o Supernotícias, de BH, o de maior circulação do país. Só que nenhum anunciante sério ou governo – fora, talvez, o varejão popular – o programaria numa campanha pelo mesmo motivo que não programavam o finado “Notícias Populares”, de São Paulo (mas “O Tempo”, o quality paper do mesmo grupo, é lembrado). Além disso, não dá para comparar o mercado do Sudeste com o do Nordeste, por exemplo.

Tem também uma questão conceitual: um governo democrático deve lutar para aumentar o número de vozes atuantes na sociedade a fim de que o maior número de interesses que nela existem sejam vocalizados. Como no Brasil não há empresas públicas de comunicação da qualidade, tradição e força de uma BBC ou mesmo de uma PBS (EUA) – a EBC bem que tem avançado nesse caminho nos últimos anos, mas ainda está longe demais desse padrão -, a opção mais efetiva é colocar mais dinheiro da publicidade em veículos regionais e internet, principalmente nesta, para dar uma equilibrada.

Bom, com a saída de Lula e a chegada de Dilma, Franklin Martins, homem forte do N-D na comunicação, deixou o Planalto, chegando Helena Chagas. Tendo feito toda sua carreira nas grandes redações, ela sabe da importância dos anúncios do governo federal para a boa saúde financeira delas, mesmo as maiores (as médias e pequenas, então, só sobrevivem graças a esse dinheiro) e, assim, lenta, mas seguramente, foi desconstruindo o que fora montado por Franklin. O PT não gostou, mas fazer o quê, se não tinha mais interlocução na área?

A situação começou a mudar em meados do ano passado. Depois de ter sido pega de surpresa e tomado uma coça nas redes sociais durante os protestos de junho (só apanhou menos que a grande mídia e os governadores de Rio e São Paulo), Dilma, aconselhada por N-D, trouxe Franklin de volta – aqui). A mudança fez o PT ganhar moral e a pressão ganhou corpo (um bom resumo da posição dos petistas está nesse texto do deputado conterrâneo Fernando Ferro). Aí, foi só esperar que a Helena pisasse em falso em meio ao serpentário que é Brasília – o mole acabou sendo a cascata da escala em Lisboa durante o voo presidencial Davos-Havana (post abaixo). Helena dançou.

Então, é essa a situação que o Traumann vai encarar. Vamos ver como ele desata esse nó, sem mexer com a distribuição de verbas publicitárias entre os meios. Afinal, tirar dinheiro do meio TV não só não é solução em ano nenhum, ainda mais em um eleitoral, como, ao contrário, seria mais um problema. Ou seja, vai ser dureza.