S.O.S.: o King of the Kings pede ajuda

Em quase 20 anos de Coleguinhas, sempre fui auxiliado, ocasionalmente, por alguns amigos e amigas, os Conselheiros. Davam (e dão) toques, mandavam (e mandam) colaborações, discutiam (e discutem) temas… No entanto, sempre foi coisa esporádica e, no fim das contas, eu sempre dei conta do recado sozinho sem grandes problemas. Agora, porém, a situação mudou, pelo menos em relação ao King of the Kings – vou mesmo precisar de ajuda.

Joguei a tolha na semana que passou quando, em dias seguidos, vi duas cascatas inacreditáveis, pelas quais passaria batido não fosse os alertas de dois Conselheiros. A primeira o inédito “desmentido de charge” do Zero Hora (15/01, publicação; 18, errata); a segunda, a publicação pela Veja da foto errada de uma senhora por ela estar usando a bolsa de designer homônima de uma denunciada por um delator da Lava-Jato. Diante disso, precisei admitir que não tenho como acompanhar a enxurrada de cascatas que os coleguinhas despejam diariamente sobre nossas cabeças e, por este motivo, peço help, sem vergonha alguma.

Diante da situação inédita, tive que bolar algumas regras para filtrar minimamente esse caudal cascateiro. Assim, antes de se oferecer como voluntário/a, dê uma olhada nelas:

1. Enviar uma sugestão de cascata não quer dizer que ela será acolhida, e a participação no concurso, garantida. Pelo exposto, se assim fosse, ficaria inviável a eleição pelo número excessivo de concorrentes. As sugestões sempre passarão pelo meu crivo e sou bem exigente, aviso. Por exemplo, cascatas “disse-me-disse” como as que pululam na coluna do Ancelmo Góis e também aparecem na de Sônia Racy e outros colunistas, não entram. Claro que um “disse-me-disse” como aquele do Lauro Jardim afirmando que o Lula fora citado pelo Fernando Baiano é mais que uma fofoca – ela teria sido baseada em informação qualificada. Foi mais que uma barriga, uma cascata, e, por isso, entrou na disputa.

2. Colunistas, aliás, sempre foram um problema para o KofK. Eles dão opinião e ter uma opinião não quer dizer que alguém seja, necessariamente, cascateiro. O problema é quando dão opinião em cima de supostas informações absurdas (como Carlos Alberto Sardemberg, campeão de 2015) ou mal apuradas (como o caso do vice, Merval Pereira, e na de Lauro). Colunistas que, basicamente, são propagadores de fé e não jornalistas – como Míriam Leitão, Suely Caldas, Celso Ming, Eliane Brum, Reinaldo Azevedo, Paulo Nogueira e muitos outros (incluindo, agora, Kim Kataguiri) – também não contam para o KofK – são apóstolos e não se espera que apóstolos raciocinem fora de seus dogmas (ou mesmo raciocinem de qualquer modo). Eles não estão nem supostamente informando, estão pregando – acredita quem quer e fé não se discute.

3. Desta forma, peço que você também seja muito criterioso/a na hora de enviar uma cascata. Ela precisa ser muito incrível (como os casos da ZH e da Veja, citados acima), claramente mentirosa (como a terceira colocada de 2015, sobre a “confissão” de Lula a Mujica, ou a quinta, que a tinta da ciclovia de São Paulo sujava os carros) e/ou muito significativa, de um grande interesse para a coletividade, do ponto de vista político e/ou social (como o direcionamento da cobertura da Operação Zelotes ou o acobertamento dos malfeitos de Eduardo Cunha enquanto ele foi útil). Claro que você pode (deve mesmo) mandar o que quiser, mas eu vou sempre olhar sob esses prismas, ok?

4. As colaborações deverão ser enviadas pera o e-mail coleguinhas.kofk@gmail.com, constando do assunto “kofk”(sem as aspas).

5. Seguindo a tradição da Coleguinhas, todas as sugestões serão em off. Se mesmo com essa garantia, jamais quebrada em duas décadas, você não se sentir confortável para enviar sua colaboração (e eu respeito isso – afinal considero a paranoia a oitava virtude do Bushido), há a opção de mandá-la por meio do ColeguinhasMail, um sistema e-mail anônimo com suporte do GuerrillaMail, um dos principais serviços desse tipo da Deep Web (estou na fila do ProtonMail e quando for aceito, informarei sobre essa opção também).

6. Para a cascata proposta ter mais chances de disputar as seletivas, peço que sejam enviadas as seguintes informações para que eu preencha a planilha que estou criando (vou precisar de um controle mais estrito, pelo já exposto):

a. Link, print de tela, vídeo ou áudio da cascata;
b. Veículo em que foi publicada;
c. Data e/ou edição;
d. Motivo de ser considerada uma cascata. Se ela for cabalmente desmentida como aconteceu nos casos de Lauro Jardim na primeira do Globo, e do ZH e da Veja citados acima – e tem sido a praxe do Instituto Lula -, o link ou o print de tela com os desmentidos serão aceitos como motivo.
e. Autor (desejável, mas não fundamental);
f. Tema (o mesmo)
Bem, isso é o básico. Claro que, dentro de um tema de avaliação tão pessoal (e, para muitos, passional), haverá discordâncias, mas poderemos sempre conversar sobre elas e não sou um cara difícil de dobrar, desde que os argumentos sejam baseados em premissas lógicas – seguidas até o fim – e apresentados de modo civilizado.

Desde já, fico muito grato pela ajuda.

Valores

Vou citar de memória, pois só vi duas vezes – e rapidamente – naquelas TVs de elevador. “O jornalista não vale nada no Brasil. O jornalismo é muito desvalorizado. Me sinto vendendo barbeador para talibã”. O desabafo é da coleguinha Milly Lacombe, uma paulista que praticamente só é conhecida em seu estado e/ou por quem acompanha, algo fissuradamente, mesas-redondas sobre futebol, a especialidade dela.

A par do chororô, o queixume de Milly provocou-me reflexão a partir de uma pergunta: “De que jornalismo ela está falando?”. Pois se é do jornalismo praticado por coleguinhas que trabalham em veículos da grande imprensa como ela, bem, realmente tem razão – são ambos muito desvalorizados no Brasil e por uma razão muito simples: não têm muito valor mesmo.

Vou usar uma teoria científica menos do que pelo que ela é do que como metáfora para o que quero dizer. Claude Shannon e Warren Weaver diziam, grosso modo, que a taxa de informação (medida em bits) de um evento é tanto mais alta quanto menos provável é sua ocorrência. Trocando em miúdos ainda menores, em estilo de redação: um cachorro morder um homem é evento muito provável de ocorrer, assim a sua taxa de informação é baixa; já um homem morder um cachorro é evento pouco provável de acontecer e, assim, sua taxa de informação é alta.

Bom, o que o leitor/telespectador/ouvinte compra dos veículos é informação. Assim, se a notícia lida/vista/escutada é diferente do que a prevista – em termos de assunto e/ou enfoque – pelo consumidor da informação – ou seja, a ocorrência dela é menos provável –, ela possui valor mais alto para o comprador do que aquela que pareça com outras tantas a que ele teve acesso antes, portanto mais esperada. Há, claro, outras variáveis envolvidas no processo de valoração de uma notícia pelo consumidor. Exemplos dessas variáveis são o quanto a notícia o impacta diretamente ou quão mais rapidamente ela chega a ele. No entanto, fundamentalmente, a distância que mantém da normalidade, do ele/ela espera ler/ver/ouvir, é ainda a principal variável.

O que tem isso com o que Milly disse? É que as matérias e abordagens que vemos hoje na imprensa em que a coleguinha trabalha tem baixa taxa de informação por serem muito repetitivas. O leitor/telespectador/ouvinte já espera por elas e pela maneira como serão apresentadas e, assim, lhes atribui um valor menor. Exemplo concreto: Celso Ming, colunista de economia do Estadão. Num texto dele, é muitíssimo provável que ocorra uma das seguintes abordagens: 1. O governo fez uma besteira enorme, vai dar com os burros n´água e levará o país à breca; 2. O governo acertou, mas o colunista afirma que não vai manter o acerto, dará com os burros n’água e levará o país à breca. Assim, o leitor dará pouco valor ao que Ming escreve, pois é sempre mais do mesmo. A situação se repete em outros casos – Míriam Leitão, Suely Caldas e Vinícius Freire Torres, também na economia, e Merval Pereira, Dora Kramer e Eliane Cantânhede, na política, são outros exemplos próximos.

Já seria ruim se a situação ocorresse apenas com os colunistas – afinal, por terem maior destaque nas publicações tendem a encarnar a ideia que o público em geral tem do jornalismo -, mas ela ocorre também nas reportagens. É sempre escândalo apenas com personagens do PT (no máximo, do PMDB); defesa dos erros da iniciativa privada (ou silêncio sobre ) e críticas à gestão estatal em qualquer campo; comparações desfavoráveis do Brasil com o exterior; críticas a movimentos sociais no campo ou na cidade e apoio a sua repressão policial etc.

Como a pauta é sempre a mesma e os enfoques também, a taxa de informação do que é produzido pelos jornalistas no país é baixa e seu valor, consequentemente, também, o que leva, inevitavelmente, à desvalorização do trabalho de sua produção e ao profissional que o realiza. Aqui também há outras variáveis – num país que preza tanto o diploma de curso superior, uma profissão que pode ser exercida, legalmente, sem maiores qualificações, por qualquer um, é uma profissão qualquer -, mas ainda assim a parte maior da culpa da desvalorização do jornalismo e do jornalista no Brasil não é dos “talibãs”, dos incultos e idiotas que formam o grosso da população brasileira, como deixa a entender Milly, mas dos próprios veículos de comunicação e, em última análise, dos jornalistas que os produzem.

Todo cuidado é pouco

Para os padrões do Estado de São Paulo, Rolf Kuntz é até um cara sério – o Estadão, você sabe, tem, entre seus colunistas, gente como Sônia Racy e Suely Caldas -, mas hoje ele deu uma escorregada digna de suas fanaticamente antigovernistas colegas:

O Brasil continua diplomando uns 30 mil engenheiros por ano, enquanto a China forma entre 400 mil e 500 mil. A Índia, cerca de 200 mil. (…)”

Ok, precisamos mesmo formar muito mais engenheiros –  de preferência, de qualidade -, mas essa comparação numérica é cabulosíssima.  Os chinas são 1,3 bilhão, os indianos, 1,1 bilhão e nós, menos de 200 milhões. Ou seja, a população chinesa é cerca de seis vezes maior que a nossa. Assim, para estarmos formando, proporcionalmente, o mesmo número de engenheiros, teríamos que diplomar 180 mil e não entre 400 mil e 500 mil, como deixa entender o texto.  Desse modo, quem está mal mesmo é a Índia, também apresentada como bom exemplo por Kuntz. Afinal, com apenas uns 200 mil habitantes a menos, diploma 50% de engenheiros a menos do que os chineses.

Mais um exemplo do enorme cuidado que nós, pobres leitores, precisamos ter ao ler os jornais brasileiros. Se bobearmos, os coleguinhas nos engrupem na maior.