Valores

Vou citar de memória, pois só vi duas vezes – e rapidamente – naquelas TVs de elevador. “O jornalista não vale nada no Brasil. O jornalismo é muito desvalorizado. Me sinto vendendo barbeador para talibã”. O desabafo é da coleguinha Milly Lacombe, uma paulista que praticamente só é conhecida em seu estado e/ou por quem acompanha, algo fissuradamente, mesas-redondas sobre futebol, a especialidade dela.

A par do chororô, o queixume de Milly provocou-me reflexão a partir de uma pergunta: “De que jornalismo ela está falando?”. Pois se é do jornalismo praticado por coleguinhas que trabalham em veículos da grande imprensa como ela, bem, realmente tem razão – são ambos muito desvalorizados no Brasil e por uma razão muito simples: não têm muito valor mesmo.

Vou usar uma teoria científica menos do que pelo que ela é do que como metáfora para o que quero dizer. Claude Shannon e Warren Weaver diziam, grosso modo, que a taxa de informação (medida em bits) de um evento é tanto mais alta quanto menos provável é sua ocorrência. Trocando em miúdos ainda menores, em estilo de redação: um cachorro morder um homem é evento muito provável de ocorrer, assim a sua taxa de informação é baixa; já um homem morder um cachorro é evento pouco provável de acontecer e, assim, sua taxa de informação é alta.

Bom, o que o leitor/telespectador/ouvinte compra dos veículos é informação. Assim, se a notícia lida/vista/escutada é diferente do que a prevista – em termos de assunto e/ou enfoque – pelo consumidor da informação – ou seja, a ocorrência dela é menos provável –, ela possui valor mais alto para o comprador do que aquela que pareça com outras tantas a que ele teve acesso antes, portanto mais esperada. Há, claro, outras variáveis envolvidas no processo de valoração de uma notícia pelo consumidor. Exemplos dessas variáveis são o quanto a notícia o impacta diretamente ou quão mais rapidamente ela chega a ele. No entanto, fundamentalmente, a distância que mantém da normalidade, do ele/ela espera ler/ver/ouvir, é ainda a principal variável.

O que tem isso com o que Milly disse? É que as matérias e abordagens que vemos hoje na imprensa em que a coleguinha trabalha tem baixa taxa de informação por serem muito repetitivas. O leitor/telespectador/ouvinte já espera por elas e pela maneira como serão apresentadas e, assim, lhes atribui um valor menor. Exemplo concreto: Celso Ming, colunista de economia do Estadão. Num texto dele, é muitíssimo provável que ocorra uma das seguintes abordagens: 1. O governo fez uma besteira enorme, vai dar com os burros n´água e levará o país à breca; 2. O governo acertou, mas o colunista afirma que não vai manter o acerto, dará com os burros n’água e levará o país à breca. Assim, o leitor dará pouco valor ao que Ming escreve, pois é sempre mais do mesmo. A situação se repete em outros casos – Míriam Leitão, Suely Caldas e Vinícius Freire Torres, também na economia, e Merval Pereira, Dora Kramer e Eliane Cantânhede, na política, são outros exemplos próximos.

Já seria ruim se a situação ocorresse apenas com os colunistas – afinal, por terem maior destaque nas publicações tendem a encarnar a ideia que o público em geral tem do jornalismo -, mas ela ocorre também nas reportagens. É sempre escândalo apenas com personagens do PT (no máximo, do PMDB); defesa dos erros da iniciativa privada (ou silêncio sobre ) e críticas à gestão estatal em qualquer campo; comparações desfavoráveis do Brasil com o exterior; críticas a movimentos sociais no campo ou na cidade e apoio a sua repressão policial etc.

Como a pauta é sempre a mesma e os enfoques também, a taxa de informação do que é produzido pelos jornalistas no país é baixa e seu valor, consequentemente, também, o que leva, inevitavelmente, à desvalorização do trabalho de sua produção e ao profissional que o realiza. Aqui também há outras variáveis – num país que preza tanto o diploma de curso superior, uma profissão que pode ser exercida, legalmente, sem maiores qualificações, por qualquer um, é uma profissão qualquer -, mas ainda assim a parte maior da culpa da desvalorização do jornalismo e do jornalista no Brasil não é dos “talibãs”, dos incultos e idiotas que formam o grosso da população brasileira, como deixa a entender Milly, mas dos próprios veículos de comunicação e, em última análise, dos jornalistas que os produzem.