O grande Marcos de Castro e a Coleguinhas

Mestre de jornalismo e dignidade

A história que prometi contar na página de apresentação do Prêmio Marcos de Castro de Jornalismo na Internet.

Em 1996, Marcos era o responsável por criticar os textos no JB. Ele lia o jornal todo e fazia comentários sobre eles, sempre da maneira gentil e humilde que o caracterizava. Um dos pontos em que sempre batia era sobre o verbo colocar, dizendo que havia um abuso em sua utilização. Colocar segundo ele, era apenas o ato de pôr suavemente algo em algum lugar, pousar. Para outras ações, havia pôr, botar, jogar, atirar etc.

Eis que houve uma tentativa de sequestro do provedor da Santa Casa de Misericórdia da época, cujo nome não me recordo. A matéria foi escrita por um repórter de polícia muito bom, mas com texto… Bem… Vamos dizer… de complicada leitura. Quando recebíamos um escrito desse colega, dávamos uma série de espaços e reescrevíamos a matéria totalmente. Naquele dia, coube a mim fazer o trabalho e segui o “protocolo”. No entanto, na pressa do fechamento, passou um “colocar” na descrição do momento em que os sequestradores jogaram a vítima no porta-malas do carro.

No dia seguinte, Marcos criticou o deslize e tudo teria terminado aí se Manoel Francisco Nascimento Brito não tivesse lido a crítica interna. Irritado por, em sua opinião, a redação não levar a sério o trabalho do mestre, a quem respeitava há muito, reclamou com Marcelo Pontes, editor do JB na época. Ao que me consta foi uma reclamação irritada, mas nada além do que um dono de jornal faz comumente. Pontes, porém, ansioso por agradar, determinou que o redator responsável por deixar passar o verbo incorreto fosse demitido e assim foi feito.

Confesso que não fiquei chocado. Estava há apenas quatro meses naquela minha segunda passagem pelo JB, mas já tinha 14 anos de profissão e, portanto, acostumado com o tipo de chefe que era Pontes e com o arbítrio que perpassava (e, pelo que sei, ainda perpassa) as relações nas redações. Fui demitido, como também de praxe, após o dia de trabalho, e segui para casa, já pensando em como ia arrumar outro emprego. Qual não foi minha surpresa quando, dois dias depois, recebi telefonema de Paulo Motta, o editor do caderno de Cidade, dizendo para eu voltar, pois estava reempregado.

Entendendo nada, voltei no dia seguinte e cai no meio de um impasse. Ao saber que eu fora demitido devido a uma crítica que fizera, Marcos entrou em contato com M.F. e avisou que estava saindo também, dizendo que suas críticas eram para melhorar a qualidade do publicado pelo JB, não para demitir colegas.

Aqui parêntese. Anos antes, fora escalado para ser redator do Globo por Lutero “Cabeça de Lata” Soares, editor de Nacional/Política do Globo, que queria me manter na equipe após a cobertura das eleições de 1986 (muito por instâncias de Luiz Mário Gazzaneo, João Rath e Mário Marona), mas não tinha vaga como repórter. Marcos estava saindo jornal e Lutero resolveu me pôr no lugar dele não se importando (pelo menos não o suficiente para mudar de ideia) de que eu tivesse apenas 26 anos (seria o mais jovem redator do jornal em décadas, soube depois) e tocava português de ouvido, como ainda hoje. “Senta lá ao lado do Marcos e vê se aprende alguma coisa”, determinou. Foram 15 dias de êxtase ao lado daquele monstro sagrado –não deram em muito, como você já deve ter observado – que fizeram com que ele se sentisse meio que responsável por mim. Fecha parênteses.

Pressionado por Marcos, Nascimento Brito ordenou minha reintegração. Pontes, que estava de folga, só soube quando retornou e não gostou. Mandou me demitir de novo (dessa vez por telefone) e, para não ter que resolver o problema com um patrão furioso por ser desobedecido, tirou férias (me disseram que foi para o Japão, mas jamais chequei se era informação correta ou blague dos colegas), esperando que o episódio esfriasse.

Marcos manteve a posição e se demitiu ao saber que eu continuava fora do jornal. Informado, liguei para ele e pedi que não fizesse aquilo – arranjaria outro emprego, até menti dizendo que já estava com outro em vista. Ele resistiu e aí falei que poderia continuar trabalhando, pois, afinal, eu não estava realmente demitido, mas numa espécie de licença. Ele admitiu a lógica de meu argumento (era bom em avaliar argumentos, claro) e voltou ao trabalho. No fim, acabei mesmo demitido, pois Pontes, ao retornar, encontrou Marcos em seu posto, Nascimento Brito mais tranquilo e, argumentando que me trazer de volta seria um ataque direto a sua autoridade, conseguiu manter a demissão. Ao saber, fui ao JB receber as contas e aproveitei para deixar recado para o mestre, dizendo que já tinha conseguido um emprego, que ele não se preocupasse. E, dessa vez, era verdade: começaria na Ediouro dali a dois dias.

No mês que fiquei em casa, sem nada para fazer, sem poder nem procurar emprego, resolvi, para impressionar a namorada da época, criar uma página naquela tal de internet, que fora liberada para acesso público meses antes. Sim, o blog que você está lendo tem origem em Marcos de Castro. Agora entendeu por que o prêmio (mesmo que virtual) de bom jornalismo na internet não poderia ter outro nome que não o do grande jornalista que nos deixou ontem?

Vai na paz, meu mestre. E muito, muito, muito obrigado.

Histórica vergonha alheia

Impressão minha ou O Globo tentou fazer uma “capa histórica”, tipo aquelas do JB sobre o AI-5 e o golpe de 73 no Chile?

Ataque de assombrações

E não é que o Nelson Tanure ainda usa o fantasma do JB para manipular seus negócios? E com a ajuda da Veja! Como diz aquele locutor esportivo: “Mas que beleeeza!” Leia aqui.

Estertores

Seis meses, talvez mais um mês ou dois. Não passa disso a sobrevida do JB na internet, segundo o mercado. As verbas de publidade, que nunca foram das mais robustas, estão ainda mais magras e redação vai junto, claro – hoje, são entre 10 e 15 coleguinhas, a maioria muito jovem que mantêm o ex-grande jornal sobrevivendo por aparelhos.

RIP, JB

Pois é…O que se previa há uns 20 anos, finalmente aconteceu: o JB acabou.

Ok, continua na internet (bom, pelo menos o Nelson Tanure assim o disse, mas o que ele fala não se escreve em nenhuma mídia), mas, na boa, não será o bom e velho “jornal da condessa”. Dá para reinventar-se? Dá, mas vai duro, muito duro. Será preciso muito dinheiro, muita competência e doses cavalares de humildade e trabalho. E, para falar a verdade, não vejo nada disso em abundância no mercado jornalístico brasileiro de hoje em dia.