Olha o Dalí!

Aproveitando a primeira tarde de férias, fui anteontem à exposição Dalí, no CCBB (é bom ir com tempo – levei uns 50 minutos só para entrar). Vale a pena. Além das obras surrealistas, há trabalhos de outras fases do artista – como aquelas do início da carreira, com influência do impressionismo, e daquelas em que se vê a de outros gigantes de seu tempo como Picasso, Cézanne e Miró – e também da fase final.

Como a ideia é mostrar como Dalí era múltiplo há também presenças dele no cinema – com direito à exibição de “Um cão andaluz” e “A idade do ouro”, colaborações com Buñuel , e da sequência do sonho de “Quando fala o coração” (“Spellbound”), de Hitchcock – e como ilustrador de obras como “Dom Quixote”, “Alice no País das Maravilhas” e “Fausto”, para mim o ponto mais surpreendente da exposição porque não só não conhecia essa faceta do artista, como pelos trabalhos em si, que são extraordinários.

Só que não há nada sem um senão, certo? Devo admitir que sou meio chato quando estou vendo obras de arte (já falei disso num post no FB) e por isso me deu nos nervos a mania do público de tirar fotos delas como se estivesse ao ar livre, num ponto turístico. É, diferente da maior parte dos museus, há permissão de fotografar, desde que seja sem flash. Sei que é um tanto (talvez muito) ranzinza, mas se o vivente fica 30 segundos diante do quadro, fotografa-o e segue em frente, como é que vai treinar o olhar e observar os detalhes da obra? E sem sacar os detalhes, como poderá fazer as inter-relações entre as diversas obras de um artista – e de artistas diversos – e mesmo fazer com que elas repercutam dentro de você, com suas vivências e conhecimentos, renovando-os? Como se pode reduzir uma obra de arte ao visor de uma câmera, por melhor que ela seja (e tinha gente no CCBB com máquinas amadoras legais)?

Com Dalí, creio, essa lacuna deve ficar ainda maior. O cara se dizia paranoico (devia ser mesmo…), mas também era obsessivo – algumas figuras e paisagens se repetem em diversos trabalhos, de várias formas. Ver como isso ocorre é mergulhar no universo de um sujeito genial e permitir com que ele mexa com o seu, fruindo uma dimensão fundamental da obra do cara. Dimensão essa sobre a qual fomos todos alertados antes de entrar na exposição: o negão cheio de estilo que recebe os visitantes para a mostra fez questão de enfatizar que Dalí tinha muito presente a ideia de que era um artista inserido numa sociedade de massas e, por isso, trabalhou sempre pensando no público. Ou seja, o coitado deve ficar possesso toda a vez que vê um mané tirar fotos um de seus de quadros sem nem olhá-los direito: “Para de fotografar, seu idiota, e presta atenção no que eu fiz! Eu é que sou o gênio por aqui! Você não é o Man Ray, animal!”, deve berrar o catalão, dando cabeçadas na lápide.

Não que nunca se deva tirar  foto de uma tela. Eu mesmo, apesar de toda a crítica, já fiz isso. Tirei, por exemplo, duas fotos das “As bodas de Caná”, de Veronese, mas só depois de admirar, por uns 10 minutos, aquele portento de 6mx9m que um monte de gente deixa de ver devido à concorrência na vizinhança – fica na parede oposta a que se encontra a “Mona Lisa”. O mesmo aconteceu com obras de Raphael, Fra Angelico, Ingres, Vermeer, Goya e vários outros: olhei o quadro com atenção por vários minutos para, só depois, tirar fotos, que, aliás, nunca revi – a contemplação faz com que a gente lembre sem precisar delas.

Enfim, toda essa peroração pentelha é para dizer o seguinte: se você for ver a exposição do Dalí, olhe os quadros. Mas olhe mesmo, com atenção, tentando desvendar o que vai diante de seus olhos, sem botar um visor na frente, por vários minutos, pelo menos. Garanto que você não vai se arrepender.