Jogos Olímpicos: uma missão cívica

Depois de acompanhar a cobertura sem pé e muito mais sem cabeça dos Jogos Olímpicos de Londres, como cidadão não poderia me furtar ao dever – vou empentelhar aqueles que, certamente cumprindo infame penitência, me leem: até 2016, de quando em vez, vou falar sobre esporte aqui na Coleguinhas. Não apenas da cobertura esportiva, que isso já faço, mas de esporte mesmo. Será minha modestíssima contribuição para aumentar o nível de espírito olímpico  da torcida brasileira, que, como já escrevi, é muito baixo.

Para começar, vou dar pitacos sobre a campanha do judô durante a Olimpíada deste ano.

A CBJ tinha como meta quatro medalhas, uma delas de ouro, e a presença numa final feminina. Entregou tudo. Podia ter sido melhor, porém. Não foi, creio, devido à condição psicológica dos nossos atletas (e aí o problema não é só do judô), opinião compartilhada por Sarah Menezes, que, sozinha, levou a modalidade ao cumprimento de mais da metade da meta citada acima. Para a piauiense de ouro, a parte psicológica é que tem prejudicado os atletas brasileiros.

“Em minha opinião, em termos de estrutura, quando se chega à seleção, não há do que reclamar. No judô temos tudo. O que falta mesmo é no atleta –a cabeça. Eu acredito que o psicológico muda muito o resultado, em todas as modalidades”, disse a garota à Folha (matéria completa aqui).

Realmente, deve ser complicado para os atletas, especialmente nos esportes individuais, vencer o maldito Complexo de Vira-Lata. Desde criança, ele/ela ouviu e leu, centenas de milhares de vezes, que, no Brasil, só tem corrupto, incompetente ou preguiçoso (quando a pessoa não é os três ao mesmo tempo). O combate a esse adversário insidioso é um ponto que inexplicavelmente não é atacado – ou não o é de modo mais determinado – por aqui. É inexplicável porque, desde os anos 60, pelo menos, americanos, russos, japoneses, alemães e um monte de outros trabalham o lado psicológico dos atletas tanto quanto seu lado físico e técnico. Sem mens sana, não tem corpore sano que ganhe medalha olímpica.

Por hoje, é só, mas nos próximos dias tem mais.

Jogos Olímpicos: o maior adversário

Para começar, minhas “credenciais olímpicas”. Os primeiros Jogos Olímpicos que acompanhei foram os de Munique, em 1972 – aqueles do massacre dos atletas israelenses, do Mark Spitz e de duas medalhas de bronze do Brasil (Chiaki Ishii, no judô, e Nélson Prudêncio, no salto triplo). Bem mais tarde, estive envolvido diretamente nos Jogos de 84 (fiz parte de um grupo que realizou uma avaliação técnica da preparação da delegação brasileira antes dos Jogos de Los Angeles) e de 88 e 92, nesses dois casos na “cozinha” de redações. Nesse tempo, do qual tenho muita saudade, fui repórter de esporte por longo período.

É com toda essa “experiência” que aviso à Mayra Aguiar (que minha irmã e minha sobrinha mais nova chamam de Mayrão), e, por meio dela, todos os atletas brasileiros, que se preparem, desde já, para enfrentar o mais duro, mais tenaz, mais poderoso adversário que terão pela frente em 2016: a torcida dos seus patrícios. Pois, Mayra, sabe aquele seu pedido de que os brasileiros honrem seus heróis? Pode esquecer, querida. Isso não vai acontecer.

Você acha que exagero? Pois, há pouco menos de três horas, ouvi de um sujeito que assistia ao replay da prova do César Cielo – é, o cara que tem três medalhas olímpicas, uma delas de ouro -, que os Jogos do Rio serão “um vexame”. “Não vamos ganhar nada”, disse o brasileiro, comentando com um amigo, ambos de olho na TV. Caso atípico? Bem, então leia aqui o comentário de um jornalista profissional importante sobre a performance de Cielo. Leu? Viu ao que ele comparou a conquista da terceira medalha olímpica por parte do sujeito?

Esses comentários – e outros, de igual jaez, que ouvi ao longo desses 40 anos, alguns nos últimos dias, incluindo um sobre você, do qual vou poupá-la – têm origem no que Nélson Rodrigues diagnosticou como “Complexo de Vira-Lata”. O brasileiro médio, Mayra, se considera destinado a ser um perdedor pela eternidade, mas não por culpa dele, claro, mas por causa dos governos, dos políticos, dos americanos, sei lá… De qualquer um, menos dele. Com essa visão, é óbvio que ele acaba sendo derrotado mesmo, o que lhe confirma o “destino”.

Minha cara, você, Cielo, Neymar, Marta, Maureen e outros heróis do Brasil são uma ameaça a esse brasileiro médio. Afinal, se vocês vencem, provam que um patrício podem realizar grandes feitos, e esse fato abala o mundinho do brasileiro médio – ele é obrigado a encarar o fato de que se é um perdedor, é por culpa dele. Um ou outro fator pode até ter sido um obstáculo, mas não deveria tê-lo impedido de atingir o sonho dele, como não impediu de você atingir o seu.

Assim, para não enfrentar esse fato doloroso, o brasileiro médio se apega a qualquer coisa para desmerecer uma façanha, mesmo que essa seja a conquista de uma medalha olímpica. E é tão forte essa obsessão que nem a medalha de ouro salva o/a pobre herói/heroína. Como? É só olhar os comentários postados no Facebook após a conquista de Sarah Meneses. Foi escrito que ela vencera “sem nenhum apoio”, que as pessoas que comemoravam a medalha de ouro “nem sabiam onde era o Piauí” (os dois comentários foram feitos por supostos intelectuais). Ou seja, enaltecendo a vitoriosa, acha-se uma maneira de vilipendiar o país (e mesmo o estado!) da pessoa. Todos os que ajudaram Sarah – técnico pessoal, Rosicléia, os funcionários da CBJ, os próprios dirigentes da entidade que mais trouxe medalhas para o país etc – têm seu trabalho de anos esquecido, pois, se este fosse lembrado como deveria, seria mais uma prova de que os brasileiros são capazes de ser competentes, de planejar e executar, coletivamente, um projeto vitorioso de longo prazo.

Portanto, Mayra, não se iluda com os gritos de incentivo que você, se Deus quiser, ouvirá das arquibancadas, daqui a quatro anos, no Rio. Muitos deles serão da boca para fora, pois, lá dentro, estarão torcendo contra você (e todos os outros atletas brasileiros). Tenha sempre em mente uma amarga, porém arguta observação, do grade Tom Jobim: “No Brasil, o sucesso é uma afronta pessoal”.