Dilma, os “barões da mídia” e o dever de casa

Pouco antes do primeiro turno, Dilmão chamou blogueiros e avisou que, uma vez eleita, promoveria uma “regulação econômica” dos meios de comunicação no Brasil (aqui ). Ela se elegeu e voltou a falar no assunto, mas, como da primeira vez, não explicou o que seria essa tal de regulação econômica. Como se vê no post da época, pensei tratar-se apenas da mudança nos critérios da distribuição da publicidade do governo federal. Mas alguns movimentos do Grupo Globo (ex-Organizações Globo) me alertaram que pode ser algo mais.

A posição assumida pelo jornal da Família Marinho, com editoriais que chegaram a emular o clima beligerante das redes sociais durante os dias que antecederam ao segundo turno, me fizeram pensar: por que essa agressividade toda, que ficou ainda mais evidente porque outros diários deram um refresco e desceram, pelo menos temporariamente, do palanque tucano em que tinham subido? Só encontrei uma explicação: alguém avisou aos Marinho que a tal “regulação econômica” será um ataque direto à propriedade cruzada de veículos de comunicação.

Como você deve estar tão careca quanto eu de saber, poucos são os países do mundo que permitem que um mesmo grupo econômico tenha o controle de mais de um veículo de comunicação. Assim, uma empresa que possui TV não pode ter jornal, emissora de rádio ou revista, por exemplo. Isso ocorre, obviamente, porque uma companhia com esse acúmulo de meios teria uma vantagem imensa na concorrência por anúncios e também seria uma tremenda ameaça ao sistema político, por deter um poder gigantesco ao ser capaz de orquestrar campanhas contra pessoas ou instituições que a desagradassem. Ou seja, exatamente o que acontece com o Grupo Globo no Brasil.

Dessa forma, é muito provável que Dilmão esteja pensando em propor uma limitação a todo esse poder, proibindo a propriedade cruzada. Só que é ainda mais provável – na verdade, certo – que ela enfrentará obstáculos imensos para levar a cabo essa ação depurativa. O lamentável Eduardo Cunha, líder do PMDB na Câmara, por exemplo, já avisou que vai obstar, de todas as formas que conhecer (e ele conhece formas que até Deus duvida), qualquer regulação a respeito da mídia (o que levará a uma situação hilária, pelo menos: Jorge Bastos Moreno combater ao lado de um cara ao qual cansou de chamar de ladrão e até foi processado por isso). Na minha opinião, é batalha perdida para Dilma e os que defendem o aprofundamento da democracia no Brasil, mas que, ainda assim, precisa ser travada para que, lá frente – talvez daqui a uns 20, 30 anos –, evoluamos o suficiente politicamente para chegarmos ao ponto em que países mais civilizados estão hoje

“Então não há nada que Dilmão possa fazer contra os ‘barões da mídia?’”, perguntará você. Calma! Há sim – fazer o dever de casa. Isso quer dizer mudar os critérios de distribuição de verbas publicitárias, como disse lá em cima (para sabermos do que estamos falando, essa verba chegou, em 2013, a R$ 2,3 bilhões, segundo dados da Secom – aqui). Essa mudança é bem fácil de fazer, já que precisa apenas da caneta dela para realizá-la, basta apenas vontade política. Assim sendo, aqui vão algumas sugestões:

 

1. Regionalizar para valer: Tem havido uma regionalização na distribuição da publicidade nos últimos anos, mas ela pode avançar mais. Por exemplo, destinando metade do orçamento a veículos que tenham, no máximo, 10% de sua circulação/audiência fora do estado em que tem sede. Quem apresentasse mais do que esse percentual seria classificado como veículo nacional e disputaria apenas os outros 50% da verba. A internet, por suas características, ficaria de fora dessa restrição, mas sofreria outra: só seria considerada, para efeito de distribuição da verba para o meio, sites ou portais que não tivessem qualquer vinculação com veículos de outros meios. Dentro de cada parte – regional e nacional –, os critérios de distribuição seriam, primeiro, audiência do meio, e, depois, de cada veículo dentro do meio.

2. Limitar percentual de recebimento da verba total: Um veículo ou grupo de veículos unidos sob qualquer forma – incluindo, mas não se limitando, à participação acionária de um mesmo grupo econômico (com ou sem maioria de ações) ou afiliação de qualquer tipo – poderia receber, no máximo, 10% do total da verba de publicidade do governo federal. Pelos números de 2013, a quantia chegaria, portanto, a R$ 230 milhões, no máximo.

3. Definir que agências de publicidade que trabalhassem com contas do governo não poderiam aceitar Bônus de Volume (BV) para essas contas. O BV é uma espécie de propina, via descontos, que os veículos (ou grupos econômicos) dão às agências para que estas carreiem mais clientes (e, portanto, mais verbas) para eles.

4. Incluir a publicidade legal no bolo da publicidade total. Assim, a publicação obrigatória de editais de concorrências, por exemplo, contaria para aquele limite do item 2.

 

O governo poderia também instar a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão independente, mas ligado ao Ministério da Fazenda, a equiparar a publicação de balanços nos sites de empresas de capital aberto à publicação em  jornais. Hoje, anacronicamente, é obrigatório que balanços e demonstrações financeiras sejam publicadas em “jornais de grande circulação” para terem validade. Essa mudança na norma, inclusive, traria uma grande economia às empresas de capital aberto, que gastam uma grana enorme apenas para publicar balanços em jornais, que, usando da obrigatoriedade, sempre cobram “tabela cheia”, sem descontos.

Essas providências – e, certamente, muitas outras que não pensei – poderiam, se não acabar com o oligopólio dos meios de comunicação hoje vigente no Brasil, pelo menos permitir que mais vozes possam ser ouvidas, avançando no caminho para uma democracia realmente plural. Fazendo isso, Dilmão estaria apenas cumprindo a Constituição, em seus artigos 220 e 221 (aqui).

 

P.S.: Você acha que estou sendo radical na questão da distribuição de verbas publicitárias do governo? Então veja o que o insuspeito Fernando Rodrigues, grande nome da Folha e que mora no coração de Otávio Frias Filho, falou em seu depoimento ao ótimo doc “O mercado de notícias”, de Jorge Furtado (aqui, a partir de 54min27). Ele é simplesmente contra a publicidade oficial, de qualquer governo, sob qualquer forma.

Ok, dá pra nota no depoimento, que ele é contra muito por esta verba ajudar a manter veículos regionais e blogs que, pelo menos em teoria, podem contrapor-se às narrativas dos grandes meios de comunicação pertencentes às famílias que dominam o setor de mídia no Brasil, os Frias entre elas. Também não explica o que faria o governo para divulgar campanhas de utilidade pública (vacinação, direitos do cidadão) ou estatais para concorrer em setores em que empresas privadas podem anunciar livremente (finanças e combustíveis, por exemplo). De qualquer maneira, as ideias dele valem uma reflexão, até mesmo para explicitar o que se esconde sob a roupagem da tal independência jornalística.

3 comentários sobre “Dilma, os “barões da mídia” e o dever de casa

  1. A proposta do Fernando Rodrigues é non-starter, nem dá para iniciar a conversa. Sem os anúncios de estatais, boa parte da mídia alternativa não sobreviveria. A tarefa de propor iniciativas louváveis, mas para serem derrotadas, não cabe a governos que já começam sob cerco, como o da Dilma. Se Nove-Dedos não se dispôs a essa tarefa de limitar a propriedade dos meios de comunicação, não creio que Dilma, com menos peso político e sob condições econômicas mais desfavoráveis, o faça. Se fizer alguma mudança na distribuição das verbas,. já será muito com. Cuidado para não jogar o bebê com a água do banho, os jornais que seriam mais afetados pelo fim da exigência de publicidade legal ser veiculada com grande circulação, como o Valor e o Jornal do Commercio, não são os mais histéricos contra o governo.

    • Até concordo que o Valor não é histérico, mas é muito insidioso. Ele pauta muito do noticiário econômico dos outros no viés do mercado financeiro.

      • Verdade sobre o tom geral do jornal. Em grande parte pelo fato de que o mercado financeiro tem porta-vozes mais articulados e ativos, por dever de ofício, e termina dominando o noticiário. Acontece em todos os veículos, praticamente, que acompanhem bolsa, open market e afim. Ultimamente, até o noticiário político vem sendo pautado pelas consultorias que atendem os bancos de investimento.

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