Rolezinhos menos 30

A polêmica do rolezinho me levou, hoje, de volta três décadas. Não lembro direito o ano – creio que foi 83, porém pode ter sido 84 – e o bafafá se deu porque o então governador do Estado, Engenheiro Leonel de Moura Brizola, resolveu que o pobre da Zona Norte e da Baixada tinha tanto direito de frequentar as praias da Zona Sul carioca quanto o que morava nos morros de lá e criou quatro linhas de ônibus – as 460, 1, 2 e 3 – saindo da estação da Leopoldina (para quem não é do Rio, a parada final de um dos ramais de trem, que fica bem próximo ao centro da cidade), com pontos finais em Copacabana (duas), Ipanema e Leblon.

Foi um deus-nos-acuda que reverberou até na casa da minha então namorada – depois primeira esposa, única oficial (até agora…) -, onde o pai dela, morador de Ipanema desde quando não havia um único prédio na Vieira Souto, cuspia marimbondos vermelhos contra aquela “demagogia do Brizola” (minha querida futura sogra também era contra, mas mais comedidamente) . Fiquei na minha – minha presença insulana estava longe de ser ponto pacífico naquela casa -, mas minha futura cônjuge jogou duro – no seu doce estilo, claro – contra a intolerância familiar.

O problema, óbvio, é que a praia seria invadida pelas hordas pobres da ZN e da Baixada, o que traria violência e sujeira para a orla, como se elas já não estivessem lá. Uma bobagem que se revelou em todo o seu esplendor anos mais tarde quando a Linha Vermelha, inaugurada no segundo governo Brizola (não é à toa que o cara é odiado na ZS a um nível lulesco até hoje), que, ao mesmo tempo que permitiu ao povo da Zona Sul chegar mais rápido ao voo para Miami, também sacramentou a inclusão da praia como opção de lazer para o pessoal da Zona Norte e da Baixada.

As linhas de ônibus? Estão lá até hoje, só mudaram de ponto inicial – agora saem da estação São Cristóvão do metrô, a dois passos do Maracanã.

4 comentários sobre “Rolezinhos menos 30

  1. Gostei, Ivson, de seu texto; eu era criança quando Brizola criou essas linhas. Mas lembro mesmo de encampar uma linha de ônibus na baixada que proporcionou a meu pai grande economia já que tinha três filhos em escola particular num momento em que as coisas estavam muito difíceis. Ações semelhantes acontecem e a visão sobre elas muda tão pouco.

    • A encampação foi um escândalo, Karlla, lembro bem. A campanha do Globo foi pesadíssima, dando até apoio moral a um boicote dos donos das empresas de ônibus que não tiveram suas linhas encampadas – eles tiravam os coletivos (antiga essa…) das ruas e O Globo culpava o Brizola por ter “desorganizado” o sistema de transportes do Rio.
      A visão sobre qualquer ato que ajude os mais pobres não muda porque a demofobia de boa parte da elite brasileira é inarredável.

  2. A coisa contra as linhas de ônibus indo para a zona sul pelo túnel Rebouças ficaram mais escancaradas depois de uma matéria no Jornal do Brasil que deu voz aos que estavam se sentindo “invadidos” pelas hordas de suburbanos no seu (achavam eles) exclusivo direito de usufruir das praias da orla carioca no verão. Pois adorei a resposta do Jaime Lerner, então secretário do Brizola, que criou as linhas, quando indagado sobre a questão, dizendo que não fazia o menor sentido em falar de “invasão”, comparando o fluxo diário de passageiros: algo como 200 mil nos dias úteis e 50 mil por dia de fim de semana (era algo assim). Ou seja, para ralar no comércio e aps da zona sul nenhum problema, mas já usar as praias “exclusivas” dos moradores a coisa mudava de figura.

    • Léo, sempre achei que o Lerner era o cara certo para o sistema de transportes do Rio, só que apareceu no momento errado. Prova eram aqueles ônibus articulados, que, agora, podem voltar. Uma solução que a cidade já pedia naquele tempo, mas para a qual os cariocas não estavam preparados, creio.

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